O Grupo de Danças e Cantares Besclore foi fundado em 1987, é uma das vertentes do Grupo Cultural e Desportivo dos Trabalhadores do Grupo Novo Banco.

Composto por cerca de 40 elementos visa “recolher, representar, promover e divulgar as tradições, usos, costumes, danças e cantares do povo do Alto e Baixo Minho português”. Iniciando a sua representação etno-folclórica nas danças, nos cantares e no trajar do final do XIX, princípio do séc. XX.

O Grupo leva já alguns anos de actividade na exibição da policromia dos trajes de Viana do Castelo, do requinte dos trajes de Braga, da elegância das modas dos vales dos rios Ave e Este, e da vivacidade e alegria contagiante das modas da Ribeira Lima e Serras d`Arga e Soajo.

Tem ao longo dos anos participado em inúmeros espectáculos, festivais de folclore e romarias de Norte a Sul do Pais.Além de Portugal, o Besclore já se exibiu em Espanha, França, Inglaterra e Itália.


Fotografia de Grupo de Agosto de 2014
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Lenda do Monte da Dor


Era uma vez um poderoso Emir, senhor absoluto de Gaia, povoação e terras sobranceiras ao rio Douro, escuro e caudaloso, a caminho do mar próximo.

O Emir tinha uma irmã, chamada Aldara, que muito estimava, rodeando‐a de quantas riquezas amontoara no seu palácio. Jóias, plumas, sedas, realçavam‐lhe a beleza morena, sempre entregue a festas, a torneios, a banquetes, que o irmão lhe proporcionava para a saber feliz.

Todavia, Aldara preferia, de todos esses festejos e divertimentos, as audições de música e canto e poesia 
que lhe alimentavam os sonhos e devaneios. E foi, numa dessas audições, surpreendida pela voz quente e melodiosa de um jovem trovador, de olhos azuis e cabelo loiro caído sobre os ombros, erguida ao som da viola, por ele próprio dedilhada.

A letra das suas badaladas, cheias de brandos suspiros, eram de uma língua doce, estranha à princesa. Decerto o donairoso trovador viera do Norte, cativo do Emir, nas suas escaramuças com os cristãos, e decerto devia a vida à perfeição da sua arte. 

Começou Aldara a amar o desconhecido, não se cansando de lhe admirar a música e o canto. E, no coração do trovador, esse amor parecia ser correspondido. Não tardaram os dois a chegar à fala, partilhando, em prolongados encontros secretos, aquela paixão impossível. Impossível?

Uma noite, Aldara, comprando o segredo dos seus servos e aias, escapando à vigilância dos seus guardas, correu para os braços do trovador e ambos abandonaram o palácio de Gaia, numa cavalgada apressada, a caminho de um reino cristão, onde o seu amor estivesse a salvo das leis sarracenas e da severidade do Emir.

Galoparam horas sem descanso e, quando o Sol enfim nasceu, encontravam‐se percorrendo uma extensa veiga à beira‐mar, numa região que se estendia do rio Lima até à foz do Minho, acolhedora na sua paz e na sua beleza. 

Não ignoravam os dois enamorados que o irmão de Aldara, ao descobrir‐lhes a fuga, logo chefiaria, contra eles, a força dos seus exércitos. E estes, mais velozes e afeitos a perseguições de inimigos, depressa os encontrariam, para castigo cruel. Mais a mais, a veiga não tinha lugar nenhum onde pudessem ocultar‐se, deixando passar, avante os seus perseguidores. Súbito, no horizonte, recortou‐se o vulto de um monte frondoso, a convidá‐los a encontrar, nele, repouso e abrigo.

Rapidamente, Aldara e o seu companheiro treparam ao monte, de onde era bem distinto o rumor das vagas a quebrarem‐se de espuma, no doirado das praias. Entretanto, os homens do Emir, seguindo o rasto dos enamorados, começaram, também, a trepar o monte, com grande estrondo de cavalo e armas.

Aldara e o trovador viram‐se perdidos! E, estreitados num firme abraço, prometeram, um ao outro, morrer juntos, sem que ninguém os conseguisse apartar. Ao vê‐los assim, unidos, maior foi a ira do Emir,ordenando logo aos seus soldados que os separassem, disposto, no íntimo, a perdoar à irmã a leviandade da fuga. Mas, por mais que os soldados quisessem obedecer‐lhe, era‐lhes inútil o esforço de afastar Aldara dos braços do 
trovador!

Mais de cem vezes tentaram a separação. Mais de cem vezes desistiram do intento. Então, o Emir, rubro de cólera, ordenou que os dois corpos, tão fortemente enlaçados, fossem lançados às águas frias do mar revolto. Assim se fez. E, como por milagre, mal receberam em si os dois desesperados, as ondas aquietaramse, bonançosas.

Mordido pelo remorso, O Emir foi‐se dali para o seu palácio de Gaia, onde passou a viver uma existência amargurada. 

Ao monte que assistiu, mudo de pasmo, a este castigo e a este prodígio, passou o povo a chamar‐lhe Monte da Dor, hoje Montedor.

E diz‐se que, em noites de tempestade, os pescadores da costa, privados do seu ganho, ante a violência das chuvas, ventos e trovoadas, evocam as almas de Aldara e do trovador, para que lhes venham valer na tormenta. Então, do profundo das águas, julgam ver emergir dois vultos enlaçados que, boiando, serenos, lhes expulsam os medos e a procela, fazendo que os seus frágeis barcos de pesca possam alcançar, docemente, o bom porto.



Fonte: VIANA, António Manuel Couto - “Lendas do Vale do Lima”. Ponte de Lima: Valima - Associação de Municípios do Vale do Lima, 2002, p. 19-21. Ilustração de António Vaz Pereira

Lenda do Rio Lima


Era uma vez um rio. Nascera, sem pressa, entre espessas penhas, uma serra galega, e, sem pressa, foi descendo um vale ameno, bordado de salgueiros e veigas viridentes, avistado, débil pela distância, dos altos montes revestidos de pinheirais, e onde, nos cimos, se abrigavam o refúgio e agressividade de velhos castros.

Era azul e liso. Não tinha nome ainda. O povo que lhe usava as águas, para a rega, a pesca e a sede, era rude, selvagem, mal sabendo talhar na pedra o machado da lenha; a faca lascada para dilacerar a rês, destinada ao fulgor das brasas; a ponta de lança para a defesa e o ataque contra a violência que lhe roubava o gado e lhe raptava a mulher.

Pela calma do entardecer, a tingir de vermelho os céus do mar próximo, o pastor, recoberto de peles de fera, conduzia os rebanhos até às areias finas das margens, a beberem frescura na limpidez do rio, longa, longamente...

Mas esta paz de paraíso não tardou a ser perturbada pelo passo duro e cadenciado do soldado estranho.

A Roma imperial enviara as suas legiões aos campos agrestes da Ibéria, vencendo batalhas, edificando estradas lajeadas, as pontes, os aquedutos, as muralhas guerreiras, os templos para os deuses, os anfiteatros e as arenas para os prazeres da arte e do desporto. Elas invadiam, implacáveis, o bucolismo da paisagem doce, empunhando a agudeza da lança e o escudo de coiro lavrado, entre o ruído dos pesados carroções e o tropear febril dos cavalos.

Um dia, eis que o arreganho destas legiões chega junto à margem sul do rio, com seus pendões rubros, constelados de águias, sacudidos por uma brisa mansa. E, estaca, rendido, deslumbrado! No arrebatamento da visão, toda a soldadesca excitada supõe estar diante daquele rio Lethes, o Rio do Esquecimento, um rio sem par de que lhe falavam as lendas e as narrativas do seu país e do esquecimento, porquê? Porque se dizia que quem ousasse atravessá‐lo, enfeitiçado pela sua beleza, logo esqueceria a pátria, a família, o próprio nome. 

Tomado de pavor pelos avisos desta condenação, todo o exército se recusou a mergulhar, naquelas águas encantadas, a poeira das sandálias, obrigadas a calcar o vau da passagem que o levaria sem perigo à margem oposta. Em vão os comandantes lhe davam ordem de avançar. Em vão o chefe supremo, Décio Júnio Bruto, lhe ameaçou a desobediência com a prisão e a morte. Ninguém se movia dali, paralisado pela emoção e pelo medo. Mas Décio Júnio Bruto teve uma decisão feliz. Apeando‐se do seu ginete, atravessou, lento, as águas feiticeiras, com o escudo a proteger-lhe a cabeça, a curta espada desembainhada na firmeza da mão. E, mal atingiu o areal da margem direita, vencendo o rumorejar do arvoredo, o gorjeio mavioso dos rouxinóis, começou a bradar pelos seus homens, hirtos, perfilados à sua frente, como estátuas estáticas, proferindo, de cada um deles, o nome exacto, sem revelar esforço de memória.

Só desta forma convenceu os seus soldados que, afinal, o rio que lhes corria aos pés não era o Lethes do esquecimento, apesar da sua beleza, apesar do seu fascínio. Então, todo o exército atravessou, sem hesitar, as águas claras e brandas, e seguiu para novas paisagens, novos montes e vales, novos rios, embora nenhum deles tão deslumbrante. E aquele rio que, por um momento de paixão e de temor, fora baptizado de Lethes, continuou a correr, sem pressa, até ao desenlace da foz. 

O rio tem, hoje, o nome de Lima. E, tal como outrora, ei‐lo que fascina, pela sua beleza, quem dele se abeira, lhe escuta o leve fluir, já ladeado, agora, pela riqueza e nobreza das igrejas e santuários milagreiros; pelos escuros solares armoriados e a brancura alegre dos casais; pelo bulício de antigas povoações com suas elegantes pontes arqueadas sobre barcos pesqueiros; e, por todo o horizonte, as torres, os pelourinhos, as cruzes...

Rio do Esquecimento? Não.

Rio da Lembrança. Lembrança viva destas terras amoráveis, por onde desliza e que parece beijar.



Fonte: VIANA, António Manuel Couto - “Lendas do Vale do Lima”. Ponte de Lima: Valima - Associação de Municípios do Vale do Lima, 2002, p. 56-57. Ilustração de António Vaz Pereira

Lenda de D. Sapo



Era uma vez um fidalgo chamado D. Florentim Barreto, a quem o povo alcunhara de D. Sapo, senhor de um solar torreado e de vastas terras de lavoura, situadas na freguesia de Cardielos, cerca da Viana e das águas do Lima.

Todos os seus servidores o odiavam, pois exercia sobre eles um poder injusto e cruel. Mas, sobretudo, o que mais lhes alimentava o ódio era o direito a que D. Sapo se arrogava de passar com as noivas dos seus criados, a primeira noite de núpcias. Obrigado a submeter‐se a costume tão infame, qualquer novo casal constituído sofria, todavia, em silêncio, a luxúria de D. Florentim Barreto, sem ter coragem de se revoltar contra ela, temeroso da miséria e mesmo da morte.

Uma ocasião, um jovem empregado seu, vendo próximo o casamento e não podendo suportar que a sua amada fosse submetida à violência do amo, reuniu os seus companheiros e convenceu‐os, sobretudo aos mais velhos e respeitáveis, a demandar a Corte, denunciando a El‐Rei a vilania do fidalgo e pedindo, para ele um castigo severo.

Eles sabiam que D. Florentim tinha grandes amigos influentes na Corte, capazes de defender, perante o soberano, a sua vida e os seus hábitos, jurando‐o inocente. Por isso usaram de manha. Aos pés do rei, rogaram‐lhe a mercê de se libertarem, pela morte, de um sapo que, em suas terras, roubava a donzelia às raparigas e tiranizava todo o povo da região.



Espantou‐se o rei com pedido tão singular e, sorrindo da ingenuidade das gentes de Cardielos, concordou que matassem, à sacholada, sapo tão daninho. Regressaram os enviados deveras contentes com a decisão real e logo convocaram os braços válidos da freguesia para, munidos de sacholas, assaltarem o solar e darem morte rápida a D. Sapo. 

D. Florentim foi apanhado de surpresa nos seus prazeres favoritos e, com um grito, tombou, inerte e crivado de golpes, no chão do quarto onde praticara tanto crime horrendo. Pôde, assim, o jovem noivo, esperto e ousado, libertar a pureza da sua noiva dos desejos repugnantes de D. Sapo e libertar, igualmente, e de vez, todo o povo de Cardielos das garras do fidalgo.

Mas os amigos de D. Florentim Barreto, ao saberem do atrevimento da justiça popular, logo correram à Corte, a reclamar de El‐Rei, a condenação dos prevaricadores.Zangou‐se grandemente o soberano com esta rebelião sangrenta e ordenou que viesse à sua presença quem cometera tão grande desacato. Então, os considerados culpados replicaram, perante ele, que haviam recebido da boca do próprio rei a ordem de morte de D. Sapo, pois só por este nome conheciam D. Florentim e que os motivos das suas queixas eram verdadeiros. Ouviu El‐Rei, ponderadamente, os argumentos das gentes de Cardielos e disse‐lhes:

‐ Ide em paz para as vossas terras.

O dito está dito. Palavra de Rei não volta atrás. Feliz com o desenlace, o povo tratou de destruir a torre e o solar de D. Florentim Barreto para que não restasse memória, nem do fidalgo nem dos seus actos condenáveis. Restou, porém, para os vindouros, a curiosidade da história aqui narrada.



Fonte: VIANA, António Manuel Couto - “Lendas do Vale do Lima”. Ponte de Lima: Valima - Associação de Municípios do Vale do Lima, 2002, p. 38-39. Ilustração de António Vaz Pereira

Lenda da Serra d'Arga

Era uma vez um rei chamado Evígio, forte e severo, que ocupava o trono visigótico da Península Ibérica, parte do qual se estendia pelas terras férteis que, séculos mais tarde, iriam constituir Portugal.

Evígio tinha uma filha única, de nome Eulália, muito bela, luz dos seus olhos, prometida por ele em casamento ao valente guerreiro Remismundo, que desejava como seu sucessor. Mas Eulália amava outro. Amava o jovem Egica, nobre de sangue real, também ele valoroso, é certo, mas cujos amores com Eulália o rei Evígio contrariava, preso ao compromisso tomado com Remismundo. Porque o coração se lhe negasse aceitar a decisão paterna, Eulália resolveu fugir com Egica para longe do seu reino, onde encontrassem, juntos, a felicidade desejada. E, numa certa noite escura, ambos, escapando à vigilância de servos e soldados, cavalgaram livres, para outros lugares mais amáveis.

Ao saber da fuga dos jovens namorados, logo o rei enviou um poderoso exército em sua perseguição. Conscientes dos perigos que corriam, Eulália e Egica procuraram ocultar‐se o melhor e o mais breve possível da ira de Evígio. E, debaixo de uma violenta tempestade, chegaram à vista de uma alta serra, chamada Medúlio, próximo da Galiza, onde fora construído o Mosteiro Máximo, conhecido de Egica, pois ali residia um velho amigo seu, Frei Gondemaro, decerto pronto a acolher, com satisfação e carinho, o par de fugitivos. Vencendo as fúrias do vento rude e da chuva insistente, não tardaram a bater às portas do Mosteiro e a cingir os braços generosos do monge, que prontamente lhes ofereceu uma mesa abundante e o repouso dos leitos.

A manhã seguinte, trazendo consigo um Sol radioso, desvendou, aos olhos da princesa e do cavaleiro, um panorama deslumbrante de campos semeados, densos e verdes arvoredos, águas rumorejantes de riachos, rebanhos brancos de ovelhas, o mugido melancólico dos bois, um pulsar de vida selvagem entre as brenhas, uma festa de pássaros nos ares. E Eulália, encantada com o que via, exclamou:

‐ Porquê chamar Medúlio ao esplendor e prosperidade desta serra, e não Agro, como merece?

Respondeu‐lhe o irmão Gondemaro:

‐ Razão tendes. Pois toda esta riqueza se deve ao trabalho agrícola, de Sol a Sol, dos nossos bons monges que a cultivam sem fadiga e com muito amor.

Rogou‐lhe, então, o par enamorado que, nesse dia magnífico, Gondemaro o casasse, antes que os homens de Evígio o descobrissem e levassem prisioneiro. Fez‐lhe o frade a vontade, no segredo do altar florido, ante a bênção da cruz sagrada. Depois, Eulália, e Eugica partiram para novo reino, ainda mais distante do poder do rei ofendido. Mas Eulália, ainda que junto ao seu amado, sofria de saudade do pai e da sua pátria, e levava os dias em lágrimas. Até que chegou por fim, ao castelo onde o casal morava, o velho monge do Mosteiro Máximo. Vinha exausto da viagem penosa, tão demorada e tão cheia de perigos. Mas trazia boas notícias!

O rei Evígio, também saudoso da filha querida, estava pronto a perdoar a desobediência e a fuga, se Eulália lhe desse um neto varão, que viesse alegrar‐lhe a velhice e herdar‐lhe a pesada coroa. Não tardou muito que a princesa embalasse nos braços um filho, para perdão do rei e o regresso feliz dos exilados. Porém, antes de alcançarem o palácio Evígio, perante a estima e o respeito de todos, quiseram voltar àquela altiva serra, onde haviam casado, chamada, agora, Serra de Arga, pois o povo, na sua ignorância, havia deturpado para Arga a palavra Agro, raiz da palavra Agricultura, com que Eulália justamente a apelidara.

E assim a Serra ficou chamada até aos nossos dias, com a beleza da sua paisagem doce e agreste, cada vez mais fecunda e arroteada, com o bulício da sua fauna e pujança da sua flora, recebendo os louvores entusiásticos de quem lhe sobe aos altos e desce aos vales, na devoção das romarias, escutando o balir manso dos rebanhos, o reboar dos sinos, o estrondo dos foguetes na lisura dos céus.


Fonte: VIANA, António Manuel Couto - “Lendas do Vale do Lima”. Ponte de Lima: Valima - Associação de Municípios do Vale do Lima, 2002, p. 10-12 . Ilustração de António Vaz Pereira

Lenda das Cinco Badaladas

Era uma vez um homem chamado Bartolomeu, nascido em Lisboa, no século XVI, e baptizado na Igreja dos Mártires, de que passou a ser grande devoto.  Bartolomeu era inteligente e piedoso. Decidiu dedicar‐se a Deus e ingressou na Ordem Religiosa dos Pregadores, recebendo o respectivo hábito apenas com a idade de 14 anos, aplicando‐se, depois, aos estudos da Filosofia e Teologia, que terminou com êxito.

Instalou‐se, então, no Convento de São Domingos de Évora, passando a usar o nome de Frei Bartolomeu dos Mártires, evocador da igreja onde recebera a água baptismal. Na cidade alentejana exerceu um louvável magistério, havendo tido, como aluno, D. António, o Prior do Crato, mais tarde, ainda que por breves tempos rei de Portugal. 

A sua dignidade de sacerdote e a sua sabedoria eram tais que a rainha D. Catarina, mulher de D. João III, o escolheu para Arcebispo Primaz de Braga, o lugar mais alto na hierarquia religiosa da Península Ibérica. Esta honrosa nomeação foi confirmada pelo Papa. As suas visitas pastorais, pelas terras esquecidas do Barroso, levaram‐no a contactar com uma população miserável e de rudes costumes, que procurou ajudar, em acções generosas e justas. Quando foi convocado para participar no Concílio de Trento, em Itália, que tinha o propósito de reformar e fortalecer a Igreja Católica, salientou‐se pela sua palavra esclarecida e esclarecedora. 

Frade Dominicano, resolveu, a dada altura, mandar edificar em Viana, então chamada Viana‐da‐Foz‐do‐Lima, um soberbo Convento, dedicado a São Domingos. E, quando já envelhecido, e vendo a coroa portuguesa passar para a cabeça de um estrangeiro, D. Filipe II de Espanha, foi junto do rei rogar‐lhe a permissão de renunciar ao seu cargo eclesiástico, a ir albergar‐se, destituído de honras e riquezas, naquele convento vianês, erguido com tanta devoção. 

Encerrado numa cela desprovida de qualquer conforto, passava os dias entregue a orações e leituras de obras edificantes. Mas, de vez em quando, deambulava pelo bairro dos pescadores, perto do convento, acudindo, caridoso, aos padecimentos e angústias daquela gente do mar, que o venerava e a ele recorria, em horas difíceis. 

Um dia, porém, o lar humilde e pobre que visitava, não reconhecendo, naquele velho frade, D. Frei Bartolomeu dos Mártires, recebeu‐o com desagrado, revoltado, como estava, com a desgraça que lhe caíra em cima: a morte prematura da mulher do pescador, apesar de todas as rezas fervorosas aos Céus, quer do marido, quer da jovem filha, a quem pesavam, agora, os cuidados da casa e os cuidados para com o pai. Entendeu e perdoou o arcebispo a atitude hostil dos dois infelizes, mas não deixou de lhes recomendar resignação, pondo à disposição de ambos para quanto necessitassem; para qualquer súbita aflição.

E, num Inverno mais rigoroso, com o mar sacudido por ventos ciclónicos, chuva e trovoadas assustadoras, eis que a órfã procura o velho frade para que, com as suas preces, ele alcançasse de Deus o favor de um milagre: o milagre do seu pai, arrais de uma companhia de mais quatro homens, conseguir fazer que o seu barco, quase naufragado no turbilhão das vagas, galgasse a barra, são e salvo.

O arcebispo, comovido, logo tranquilizou a jovem, garantindo‐lhe que, após soarem cinco badaladas no sino do Convento, a pequena embarcação iria varar, intacta, nas areias da praia, trazendo a bordo, também intacta, toda a companha. Mais: com o fundo a abarrotar de pescado!

E assim aconteceu.

A cada uma das cinco badaladas soltas da torre sineira de São Domingos, aqueles cinco pescadores, exaustos e desesperados, ganhavam uma nova energia, uma nova coragem, que os impelia a remar até à praia, onde o povo gritava, impotente para os socorrer. Mal soara a quinta badalada, eis que, como D. Frei Bartolomeu dos Mártires havia prometido, o barco, intacto, vara na areia da praia, trazendo, também intacta, toda a tripulação. E com o fundo a abarrotar de pescado!

Desembarcados, os cinco pescadores ajoelharam, agradecendo a Deus tal prodígio.

E, sabendo da boca da filha do arrais quem intercedera por eles aos Céus, livrando‐os de tão duro transe, quando a morte lhes surgia, a todo o instante, diante dos olhos aterrados, logo correram ao Convento, a confessarem‐se ao arcebispo devedores da graça recebida. Mas a modéstia de D. Frei Bartolomeu dos Mártires recusou‐se a assumir à janela estreita da cela, para lhes receber a gratidão. 

Outros milagres, muitos outros, são atribuídos à bondade do velho arcebispo.

Ao falecer, foi enterrado à esquerda do altar‐mor da igreja do Convento.

Aí, continua a atender os rogos dos pescadores da Ribeira vianesa, quando o mar lhes é padrasto. Daí, os abençoa, com o amor da sua mão sempre milagrosa. 



Fonte: VIANA, António Manuel Couto - “Lendas do Vale do Lima”. Ponte de Lima: Valima - Associação de Municípios do Vale do Lima, 2002, p. 22-25. Ilustração de António Vaz Pereira

Lenda de Viana


Era uma vez uma pequena povoação nascida na margem direita do rio Lima, junto à foz, quando as águas doces e vagarosas se misturam com o bravio das ondas salgadas. Chamava‐se Átrio e tinha, sobranceira, uma montanha densa de arvoredo, onde no alto existia a fortificação de um castro habitado por povos sem nome e que, a dada altura, desceram ao litoral, buscando, na pesca, melhor alimento e mais comércio. Era extremamente bela, entre veigas cultivadas, palmos de hortas viçosas, redis, pomares e vinhedos, mas a sua 
principal vocação era o mar, a pesca.

Na praia, várias embarcações esperavam pelas madrugadas para serem lançadas às vagas, com o afã dos remos, o aceno das velas e o espalhar das redes. Pelo entardecer, as companhas regressavam ao átrio, para a alegria das mulheres e das crianças, com o fundo da embarcação farto de pescado palpitante: a sardinha, o carapau, a faneca, o congro...  

Vinham, rio abaixo, habitantes de outras povoações, para o abastecimento pródigo das suas mesas.


Ora, morava no Átrio, na modéstia de um casebre, uma linda rapariga chamada Ana, filha de pescador e desenvolta na venda do peixe, sempre com uma canção nos lábios, ouvida a algum jogral chegado da vizinha Galiza, onde animava os serões dos paços e os terreiros das romarias. Escutava‐lhe, deliciado, estas cantigas de amor e de amigo, um jovem barqueiro que, transportava, na correnteza do rio, até ao Átrio, lavradores e mercadores à compra de peixe fresco e saboroso.

De tanto escutar a voz harmoniosa de Ana e de lhe admirar a graça, o rapaz começou a sentir pela rapariga um amor que ia aumentando dia após dia. Confessara já aos amigos e companheiros de lida o agrado desse amor nascente. E estes, contentes com o seu contentamento, sorriam quando o moço barqueiro, ao voltar do Átrio, lhes atirava um brado feliz:

‐ Vi Ana! Vi Ana!

Um dia, porém, não se contentou em vê‐la e dirigiu‐lhe e palavra, num enleio que lhe corava as faces. A rapariga, percebeu o vivo interesse amoroso do rapaz por ela, os olhos brilhantes sobre o rosto, sobre o cabelo dela. O seu coração lisonjeado retribui‐lhe esse interesse, retribuiu‐lhe esse amor. Não tardou em realizar‐se a boda dos dois enamorados. Durante os festejos, os companheiros e amigos do noivo recordaram‐lhe o brado entusiástico:

‐ Vi Ana! Vi Ana!

O dito foi logo adoptado pelos pescadores do Átrio que passaram a repeti‐lo quando, regressavam dos trabalhos duros da faina, se lhes deparava o vulto acolhedor da montanha, as praias doiradas, as veigas férteis, as águas lentas do rio e a paz dos seus lares:

‐ Vi Ana! Vi Ana!

Ao conceder o foral à povoação da foz do Lima, em 1258, o rei D. Afonso III, que a visitara tempos antes, extasiando‐se com tanta beleza e prosperidade, substituiu‐lhe o nome de átrio pelo de Viana. Por certo, alguém lhe revelara aquele brado de amor. E só amor merece terra tão abençoada!



Fonte: VIANA, António Manuel Couto - “Lendas do Vale do Lima”. Ponte de Lima: Valima - Associação de Municípios do Vale do Lima, 2002, p. 53-54. Ilustração de António Vaz Pereira

LENDA DO FOLAR DE PÁSCOA




Esta é uma das várias lendas que a tradição guarda ciosamente sobre o folar da Páscoa. É simples como a alma do povo, pois do povo ela vem. Diz-se que é muito antiga. Todavia, não se sabe ao certo a data em que começou a circular de boca em boca.

Numa aldeia que a tradição não menciona, uma linda rapariga, pobre mas bela, tinha uma única ambição na vida: casar cedo. Diz a lenda que ela fiava sentada à porta de casa e orava no seu íntimo a oração que já vinha de avós para mães e de mães para filhas: 

Minha roquinha esfiada,
Meu fusinho por encher,
Minha sogra enterrada,
Meu marido por nascer.
Minha Santa Catarina,
Com devoção e carinho
Tomai-vos minha madrinha,
Arranjai-me um maridinho.



A jovem chamada Mariana Tanto rezou a Santa Catarina que a sua vontade se realizou e logo lhe surgiram dois pretendentes: um fidalgo rico e um lavrador pobre, ambos jovens e belos. 

A jovem voltou a pedir ajuda a Santa Catarina para fazer a escolha certa. Enquanto estava concentrada na sua oração, bateu à porta Amaro, o lavrador pobre,a pedir-lhe uma resposta e marcando-lhe como data limite o Domingo de Ramos. 

Passado pouco tempo, naquele mesmo dia, apareceu o fidalgo a pedir-lhe também uma decisão. Mariana não sabia o que fazer. Chegado o Domingo de Ramos, uma vizinha foi muito aflita avisar Mariana que o fidalgo e o lavrador se tinham encontrado a caminho da sua casa e que, naquele momento, travavam uma luta de morte. Mariana correu até ao lugar onde os dois se defrontavam e foi então que, depois de pedir ajuda a Santa Catarina, Mariana soltou o nome de Amaro, o lavrador pobre. 

Na véspera do Domingo de Páscoa, Mariana andava atormentada, porque lhe tinham dito que o fidalgo apareceria no dia do casamento para matar Amaro. Mariana rezou a Santa Catarina e a imagem da Santa, ao que parece, sorriu-lhe. 

No dia seguinte, Mariana foi pôr flores no altar da Santa e, quando chegou a casa, verificou que, em cima da mesa, estava um grande bolo com ovos inteiros, rodeado de flores, as mesmas que Mariana tinha posto no altar. Correu para casa de Amaro, mas encontrou-o no caminho e este contou-lhe que também tinha recebido um bolo semelhante. Pensando ter sido idéia do fidalgo, dirigiram-se a sua casa para lhe agradecer, mas este também tinha recebido o mesmo tipo de bolo. Mariana ficou convencida de que tudo tinha sido obra de Santa Catarina. Apertaram-se as mãos. Separaram-se amigos. Mas só Marianinha sabia ao certo quem oferecera aqueles bolos com ovos e flores, verdadeiro presente do Céu. 

Na aldeia, a nova espalhou-se. A alegria foi geral. Chamaram ao bolo — folore. Com o rodar dos tempos, o folore veio a mudar-se em folar. E aí está como o povo explica a origem dos folares da Páscoa, cuja tradição mantém tão carinhosamente, como testemunho da amizade e a reconciliação.


Durante as festividades cristãs da Páscoa, os afilhados costumam levar, no Domingo de Ramos, um ramo de violetas à madrinha de baptismo e esta, no Domingo de Páscoa,oferece-lhe em retribuição um folar. O folar é tradicionalmente o pão da Páscoa, confeccionado na base da água, sal, ovos e farinha de trigo. A forma, o conteúdo e a confecção varia conforme as regiões de Portugal e vai desde o salgado ao doce, nas mais diversas formas. Nalgumas receitas é encimado por um ovo cozido com casca.





Fonte: MARQUES, Gentil Lendas de Portugal Lisboa, Círculo de Leitores, 1997 [1962] , p.Volume IV, pp. 103-108

Compasso Pascal no Minho



O Minho é uma região rica em costumes e tradições. A visita pascal, ou compasso, é uma das Festas mais marcantes. Bem cedo, em cada aldeia estoiram foguetes, tocam os sinos e sai a visita Pascal que percorre todas as casas que abrem as portas ao compasso. É bonito de se ver! Vizinhos e amigos apressam-se a desejar "Feliz Páscoa" ao dono e ao pessoal das casas: Feliz Páscoa! Aleluia! Aleluia!

Atapetam-se as ruas e os caminhos com flores. Grupos de pessoas correm de casa em casa, não esquecendo um vizinho, pobre ou rico, um amigo. É um reboliço! Há risadas e gritos. Beijos e abraços. Em cada casa põe-se uma farta mesa de iguarias, doces e salgadas, vinho do Porto, vinho corrente, e outras bebidas. Quando chega o compasso é o Pároco que saúda todos os presentes dizendo: "Paz a esta casa e a todos os seus habitantes, Aleluia", enquanto asperge com água benta a "sala grande" onde, por hábito, está colocada a "mesa".


Depois, o mordomo dá a cruz ornamentada a beijar ao dono que, depois de beijar a cruz, a dá a beijar aos presentes. O dono da casa ou a pessoa mais velha convida, então, o senhor Abade a sentar-se um bocadinho (que a caminhada é grande), oferecendo-lhe da "mesa" onde nada falta, desde o pão-de-ló até ao "sortido", passando pelo vinho da última colheita que graças a Deus, era de estalar … até ao vinho "fino", jeropiga ou algum licor conventual.


As pessoas abeiram-se, ordeiramente, da mesa e tudo come sem cerimónia, distinguindo, no entanto, o dono da casa, o pessoal do "compasso" a quem, depois, entrega o "folar" do senhor Abade (actualmente dinheiro num envelope fechado) e outras esmolas para as Almas e o Senhor, não esquecendo, também, o folar do rapazio da campainha e da caldeira.

Por volta do meio-dia, recolhe o compasso à Igreja para os elementos que o compõem irem almoçar. No final, uma girândola de foguetes diz que o "almoço" já terminou e que o ritual vai continuar da parte de tarde, visitando os restantes lugares e casas da freguesia e é ver novos e velhos a gozar um belo Domingo que só regressa 12 meses depois. Bem no fim da visita organiza-se uma procissão de retorno à Igreja e aí é ver toda a gente a entoar cânticos religiosos.



Páscoa por António Manuel Couto Viana


É tempo de Páscoa no Minho florido. Já se ouvem os trinos dos sinos festeiros Na igreja vestida de branco vestido, Entre o verde manso dos altos pinheiros.

Caminhos de aldeia, que o funcho recobre, Esperam, cheirosos, que passe o compasso À casa do rico, cabana do pobre... Já voam foguetes e pombas no espaço.

Lá vêm dois meninos, com opas vermelhas, Tocando a sineta. Logo atrás, o abade Já trôpego e lento. (As pernas são velhas? Mas no seu sorriso tudo é mocidade.)

Com que unção o moço sacristão, nos braços, Traz a cruz de prata que Jesus cativa, Para ser beijada! Enfeitam-na laços De fitas de seda e uma rosa viva.

Um outro, ajoujado ao peso das prendas (Não há quem não tenha seu pouco pra dar...) Traz, num largo cesto de nevadas rendas, Os ovos, o açúcar e os pães do folar.

Mais um outro, ainda, de hissope e caldeira Cheia de água benta, abre um guarda-sol. Seguem-nos, e alegram céus e terra inteira, Estrondos de bombos e gaitas de fole.

Haverá visita mais honrosa e bela? Famílias ajoelham. A cruz é beijada. (Pratos de arroz-doce, com flores de canela, Aguardam gulosos na mesa enfeitada.)

Santa Aleluia! Oh, festa maior! Haverá mais bela e honrosa visita? É tempo de Páscoa.
O Minho está em flor. Em cada alma pura Jesus ressuscita!

Fonte: blog Folclore de Portugal. 

VI Encontro de Tradições Minhotas da Cidade de Lisboa

No dia 13 de Abril de 2014 participámos no VI Encontro de Tradições Minhotas da Cidade de Lisboa, organizado pelo Grupo Etnográfico Danças e Cantares do Minho.



O encontro decorreu no Parque do Eucaliptos, Benfica, Lisboa e participaram para além do organizador mais dois grupos: Rancho Folclórico da Casa do Minho e o Grupo Danças e Cantares Besclore. 

Aqui ficam algumas fotografias  e vídeo dessa tarde.












Fontes: Fotografias cedidas por Carlos Gomes do Blog do Minho, fotografias retiradas do facebook do grupo organizador postadas por diversas pessoas. Vídeo retirado do youtube. 




 Historial do Grupo Etnográfico Danças e Cantares do Minho

Este Grupo foi fundado por minhotos residentes em Lisboa e que tem como objectivo recolher, preservar e divulgar a cultura tradicional minhota.

Desde a sua fundação em 16 de Maio de 1980, tem representado condignamente o Minho, não só em Portugal como também em Espanha, França, Alemanha, Suiça, Austria, Itália, Polónia, Hungria, Holanda, Marrocos, Japão (fez parte das comemorações dos 450 anos da chegada dos Portugueses a este País), Brasil, Eslováquia, Lituânia, Turquia e Malta.

O Grupo está sediado na Junta de Freguesia de Benfica, em Lisboa tendo actualmente a seu cargo a presidência da "Associação do Distrito de Lisboa para Defesa da Cultura Tradicional Portuguesa".




Fonte: http://grupoetnografico.no.sapo.pt/ , em Abril de 2014.

A Filigrana em Portugal

Remontando ao 3º milénio a.C., no Médio Oriente, a utilização da filigrana foi difundida periódicamente: na época romana mais recente; na Idade Média, na Sicília e em Veneza; na época Barroca; e em finais de 800 e princípios de 900.





Consiste numa sucessão de grãos, obtidos a partir de um fio ou de uma lâmina de ouro ou prata (com um utensílio apropriado, que pode ser uma matriz com um punção adaptado à forma pretendida), com fins decorativos. Consegue-se o mesmo efeito óptico com uma trança de dois ou mais fios do mesmo diâmetro. Á sucessão de cada grão (granito), soldados em fila segundo a técnica aperfeiçoada ao máximo pelos Etruscos, pode dar-se o nome de “Granulado”.

Como indica a palavra “fili” e “grana”, o trabalho consiste na utilização de uma trança de dois fios metálicos torcidos e achatados, de forma que se limite, pelos dois lados, a forma primitiva dos dois fios, moldando-os em forma de parafuso.

Arrecadas

Uma vez confeccionado, o fio é empregue no enchimento de uma armação, que constitui o desenho do objecto. Em Génova, cidade de marinheiros, esta estrutura recebeu o nome de “casco”, pela analogia com o casco de um navio que se recheia depois do lançamento; daí também o nome de “armação”.

Coração de Viana

A Filigrana, arte de trabalhar metais, é fundamentalmente uma técnica de ourivesaria, e insere-se no tipo de ourivesaria popular. Embora não sendo especifica da nossa tradição cultural, encontramo-la noutros países e culturas, constitui uma das formas mais características das artes portuguesas. Lembremos Joaquim de Vasconcelos, o estudioso e erudito revelador da nossa arte popular, que situa a filigrana e o filigraneiro no quadro da arte : «o oleiro, o ourives na filigrana, o feitor de jugos principalmente para citar só três, revelam-se os mais seguros e fieis adeptos da arte nacional. Eles nos conservam o alfabeto de formas decorativas mais rico, mais variado, mais puro, mais genuíno que uma nação pode apresentar» (Joaquim de Vasconcelos, Artes Decorativas, in “Notas sobre Portugal”, 1908).

Brincos à Rainha

Duas correntes têm acompanhado a filigrana ao longo do tempo, em relação à sua produção e uso.
Num primeiro momento, aparece como artefacto secundário da jóia, como técnica de primor e de «sentimento artístico», aplicada a adereços de luxo, de uso profano e sagrado, com apurado gosto no desenho, cujo imaginário e configuração artística a integravam num tipo de ourivesaria própria das classes mais elevadas da escala social. A filigrana foi aplicada em importantes peças de ourivesaria litúrgica, de que se são apurados exemplos o cálice de prata dourada do Mosteiro de Alcobaça, a Cruz de D. Sancho, exposta no Museu de Arte Antiga, as quais exemplificam o uso da filigrana, como ornato único. A filigrana vive então das jóias, nada valendo sem elas. Conotada como - técnica da aplicação – permanece com esta função até ao século XIX.

Custódia

Num segundo momento, no segundo quartel do século XIX, já como - técnica de integração - , a filigrana mais complexa e perfeita, mais segura, liberta-se da chapa de laminar que decorava, ganhando lugar de peça individualizada; sobre um esqueleto, estrutura ou armação, o filigraneiro teceu, ergueu, armou com fios delicados toda a «arquitectura» da sua obra.

Conta de Viana

O gosto pelas jóias de ouro filigranadas também se manifestou entre as classes superiores da época, assumindo-se como objectos de prestigio social para quem os usava. Porém classificada como arte popular, porque é produzida nos interregnos das tarefas campestres em certos locais, principalmente nos arredores do Porto. Surgem assim, os típicos corações de filigrana, alguns com grandes dimensões, os crucifixos, as cruzes de Malta, as arrecadas, os colares de conta, os brincos de fuso ou à rainha. Todo esse ouro filigranado é, não só um ornamento, como uma capitalização certa e segura de economia caseira, essencialmente rural.

Borboleta

A filigrana passa a encarnar o lamento de quem ocupou durante séculos o pedestal de gloria, para depois, numa idade mais avançada, se ver destronada, desprezada. Acusam-na de uma arte menor.
A tecnologia própria à filigrana abrange uma memória e um espaço sociais, isto porque cada técnica vai fixar-se num centro geográfico, numa época que permite tirar o máximo partido das riquezas dos processos e, em simultâneo, realizar uma difusão progressiva dos produtos.



Toda a filigrana portuguesa e consequentemente, se desenvolve de uma forma tradicionalista. Por isso, a forma, o modelo, a decoração, pouco tem variado desde há séculos relativamente à sua técnica.









Recomendo a visualização do vídeo Fabrico do Coração de Filigrana, realizado pela Associação Ao Norte. Aqui fica o link.

Fabrico do Coração de Filigrana






Fonte: http://trajesdeportugal.blogspot.pt/2006/07/filigrana-em-portugal.html - por Carlos Cardoso. Imagens retiradas do Google.

Serrada da Velha (ou Serração da Velha) - Tradição da Quaresma






A Serrada da Velha é uma antiga tradição popular, integrada nos rituais de passagem, ligada ao simbolismo da regeneração e renovação. A tradição tem lugar durante a quaresma em algumas localidades de Portugal.
um costume que se realiza a meio da Quaresma e é conhecido pelo nome de "Serra da Velha"(ou serração da velha).

"A Serra da Velha" é uma das tradições mais antigas. Durante a noite juntam-se os rapazes em grupos e por volta da meia noite começa a grande algazarra. Isto é realizado numa quarta-feira da Quaresma e serram-se aquelas mulheres de idade relativamente avançadas e solteiras, e atribuem-se-lhes os respectivos "dotes".

A tradição consiste em percorrer a aldeia em cortejo, parando à porta das "velhas a serrar". Chegando aí cantam em tom fúnebre, através de um embude, uma espécie de funil em tamanho grande e dizem:

- ESTA NOITE SERRA-SE A VELHA
- TU QUE DIZES RAPAZ, DIABO?
- SERRA-SE A VELHA ESTA NOITE .......
- ENTÃO, QUEM HAVEMOS DE SERRAR?
- HAVEMOS DE SERRAR .......... HAVEMOS DE SERRAR ......... A MARIA ALICE
- QUEM LHE HAVEMOS DE DAR?
- HAVEMOS DE LHE DAR ...... HAVEMOS DE LHE DAR ...... O FRANCISCO FREITAS
- E ELA QUERÊ-LO-Á?
- ELA QUERO-O, PORQUE TEM UMA BURRA BRANCA PARA A LEVAR À MISSA
- ENTÃO SERRAI-A ....... SERRAI-A .... SERRAI-A


E segue-se a animadíssima "algazarra" pelas ruas da aldeia para casa de outra "velha".

O Abade Baçal na obra Memórias Arqueológico-históricas refere-se à "Serra da Velha" do seguinte modo:
" Estamos no meio da Quaresma já a Páscoa vai chegando uns dizem serra-se a velha os outros a velha seja serrada".


Quadras da serrada da velha em Paredes de Coura:

Nós vamos serrar a velha
Na noite que nos é dado
Serra-se a velha, serra-se a nova
Serra-se a velha, a velha, a velha

Serra-se a velha para o forro
E a nova para o tabuado
Serra-se a velha, serra-se a nova
Serra-se a velha, a velha, a velha

Minha mãe tem um pandeiro
E não sabe tocar
Serra-se a velha, serra-se a nova
Serra-se a velha, a velha, a velha

Só toca a minha tia
Ou toca a minha avó
Serra-se a velha, serra-se a nova
Serra-se a velha, a velha, a velha