Nos tempos dos nossos antepassados existia uma profissão chamada Carpideira que consistia em chorar para um morto em troca de dinheiro.
A carpideira era uma profissional feminina cuja função consistia em chorar para um defunto alheio.
Era feito um acordo monetário entre a carpideira e os familiares do defunto, a carpideira chorava e mostrava seus prantos sem nenhum sentimento, grau de parentesco ou amizade.
O principal objetivo era levar os participantes no velório ao choro e lamento, mesmo que o defunto não merecesse.
"O Soajo, embora mantendo arcaísmos que são típicos das velhas sociedades agro-pastoris, não parece ter conhecido – ou, pelo menos, não conservou – formas musicais significativas que reflictam a condição dos homens que aí vivem. Contudo, não podemos deixar de reconhecer o valor documental, musicológico e sociológico dos espécimes recolhidos no Soajo, os quais, na sua expressão singela e despida de qualquer enfeite, se identificam ainda hoje com a terra e os homens.
Numa paisagem deslumbrante, prosseguimos a nossa viagem pela serra do Soajo, até à povoação raiana da Várzea. Várzea é uma das poucas terras do país onde ainda é costume «chorar os mortos»; ou seja improvisar, para os que vêem de morrer, uma lamentação pobre e desesperada. «Choram-se» os seus próprios mortos ou manda-se «chorar» uma carpideira, que fará o serviço em troca de um alqueire de trigo ou coisa parecida.
É claro que quando chegámos à Várzea, não havia ninguém que tivesse morrido de propósito, a quem a carpideira da terra, nossa conhecida de há muito, pudesse prestar a sua homenagem fúnebre. A pobre mulher, cujo ganha-pão é subir as encostas e correr léguas em fim até ao Soajo para receber o correio da gente da terra, tinha sido avisada do que pretendíamos. Agora, porém, teimava em não chorar: que não choraria, que já da última vez – há mais de dez anos – tinha chorado contra vontade para este mesmo senhor estrangeiro que guardou tudo numa caixa e levou para Lisboa. Portanto, que não choraria, por mais que se lhe pagasse. Mas como não chorar, quando a vida é esta e a dor é paga!
Choraste, mulher, choraste, e recebeste o salário das tuas lágrimas, e agora foges entre os espigueiros, que guardam os poucos bens daqueles que tão pouco têm.
A melopeia, na sua expressão simples, constitui um exemplo raro entre nós de canto da morte – embora não possuindo as qualidades que fazem deste canto, na Córsega, na Sardenha ou na Grécia, o género musical talvez mais significativo da tradição destes povos, tanto pela forma a um tempo rigorosa e livre, como pela elevação dos sentimentos traduzidos em versos de uma pungente beleza. Todavia, expressões como estas da nossa carpideira: «Leve-me consigo», «Iremos os dois no seu caixão», ou «Você não é costume ficar tão caladinho», são comuns a todos esses povos.
Carpideira é uma profissional feminina cuja função consiste em chorar para um defunto alheio. É feito um acordo monetário entre a carpideira e os familiares do defunto, a carpideira chorava e mostrava seus prantos sem nenhum sentimento, grau de parentesco ou amizade."
Fonte - Gravado para o programa "POVO QUE CANTA" da RTP.Programa nº 35 - 1970. Autor: Michel Giacometti.
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