Instalou‐se, então, no Convento de São Domingos de Évora, passando a usar o nome de Frei Bartolomeu dos Mártires, evocador da igreja onde recebera a água baptismal. Na cidade alentejana exerceu um louvável magistério, havendo tido, como aluno, D. António, o Prior do Crato, mais tarde, ainda que por breves tempos rei de Portugal.
A sua dignidade de sacerdote e a sua sabedoria eram tais que a rainha D. Catarina, mulher de D. João III, o escolheu para Arcebispo Primaz de Braga, o lugar mais alto na hierarquia religiosa da Península Ibérica. Esta honrosa nomeação foi confirmada pelo Papa. As suas visitas pastorais, pelas terras esquecidas do Barroso, levaram‐no a contactar com uma população miserável e de rudes costumes, que procurou ajudar, em acções generosas e justas. Quando foi convocado para participar no Concílio de Trento, em Itália, que tinha o propósito de reformar e fortalecer a Igreja Católica, salientou‐se pela sua palavra esclarecida e esclarecedora.
Frade Dominicano, resolveu, a dada altura, mandar edificar em Viana, então chamada Viana‐da‐Foz‐do‐Lima, um soberbo Convento, dedicado a São Domingos. E, quando já envelhecido, e vendo a coroa portuguesa passar para a cabeça de um estrangeiro, D. Filipe II de Espanha, foi junto do rei rogar‐lhe a permissão de renunciar ao seu cargo eclesiástico, a ir albergar‐se, destituído de honras e riquezas, naquele convento vianês, erguido com tanta devoção.
Encerrado numa cela desprovida de qualquer conforto, passava os dias entregue a orações e leituras de obras edificantes. Mas, de vez em quando, deambulava pelo bairro dos pescadores, perto do convento, acudindo, caridoso, aos padecimentos e angústias daquela gente do mar, que o venerava e a ele recorria, em horas difíceis.
Um dia, porém, o lar humilde e pobre que visitava, não reconhecendo, naquele velho frade, D. Frei Bartolomeu dos Mártires, recebeu‐o com desagrado, revoltado, como estava, com a desgraça que lhe caíra em cima: a morte prematura da mulher do pescador, apesar de todas as rezas fervorosas aos Céus, quer do marido, quer da jovem filha, a quem pesavam, agora, os cuidados da casa e os cuidados para com o pai. Entendeu e perdoou o arcebispo a atitude hostil dos dois infelizes, mas não deixou de lhes recomendar resignação, pondo à disposição de ambos para quanto necessitassem; para qualquer súbita aflição.
E, num Inverno mais rigoroso, com o mar sacudido por ventos ciclónicos, chuva e trovoadas assustadoras, eis que a órfã procura o velho frade para que, com as suas preces, ele alcançasse de Deus o favor de um milagre: o milagre do seu pai, arrais de uma companhia de mais quatro homens, conseguir fazer que o seu barco, quase naufragado no turbilhão das vagas, galgasse a barra, são e salvo.
O arcebispo, comovido, logo tranquilizou a jovem, garantindo‐lhe que, após soarem cinco badaladas no sino do Convento, a pequena embarcação iria varar, intacta, nas areias da praia, trazendo a bordo, também intacta, toda a companha. Mais: com o fundo a abarrotar de pescado!
A cada uma das cinco badaladas soltas da torre sineira de São Domingos, aqueles cinco pescadores, exaustos e desesperados, ganhavam uma nova energia, uma nova coragem, que os impelia a remar até à praia, onde o povo gritava, impotente para os socorrer. Mal soara a quinta badalada, eis que, como D. Frei Bartolomeu dos Mártires havia prometido, o barco, intacto, vara na areia da praia, trazendo, também intacta, toda a tripulação. E com o fundo a abarrotar de pescado!
E, sabendo da boca da filha do arrais quem intercedera por eles aos Céus, livrando‐os de tão duro transe, quando a morte lhes surgia, a todo o instante, diante dos olhos aterrados, logo correram ao Convento, a confessarem‐se ao arcebispo devedores da graça recebida. Mas a modéstia de D. Frei Bartolomeu dos Mártires recusou‐se a assumir à janela estreita da cela, para lhes receber a gratidão.
Ao falecer, foi enterrado à esquerda do altar‐mor da igreja do Convento.
Aí, continua a atender os rogos dos pescadores da Ribeira vianesa, quando o mar lhes é padrasto. Daí, os abençoa, com o amor da sua mão sempre milagrosa.
Fonte: VIANA, António Manuel Couto - “Lendas do Vale do Lima”. Ponte de Lima: Valima - Associação de Municípios do Vale do Lima, 2002, p. 22-25. Ilustração de António Vaz Pereira
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