Era uma vez uma pequena povoação nascida na margem direita do rio Lima, junto à foz, quando as águas doces e vagarosas se misturam com o bravio das ondas salgadas. Chamava‐se Átrio e tinha, sobranceira, uma montanha densa de arvoredo, onde no alto existia a fortificação de um castro habitado por povos sem nome e que, a dada altura, desceram ao litoral, buscando, na pesca, melhor alimento e mais comércio. Era extremamente bela, entre veigas cultivadas, palmos de hortas viçosas, redis, pomares e vinhedos, mas a sua
principal vocação era o mar, a pesca.Na praia, várias embarcações esperavam pelas madrugadas para serem lançadas às vagas, com o afã dos remos, o aceno das velas e o espalhar das redes. Pelo entardecer, as companhas regressavam ao átrio, para a alegria das mulheres e das crianças, com o fundo da embarcação farto de pescado palpitante: a sardinha, o carapau, a faneca, o congro...
Vinham, rio abaixo, habitantes de outras povoações, para o abastecimento pródigo das suas mesas.
Ora, morava no Átrio, na modéstia de um casebre, uma linda rapariga chamada Ana, filha de pescador e desenvolta na venda do peixe, sempre com uma canção nos lábios, ouvida a algum jogral chegado da vizinha Galiza, onde animava os serões dos paços e os terreiros das romarias. Escutava‐lhe, deliciado, estas cantigas de amor e de amigo, um jovem barqueiro que, transportava, na correnteza do rio, até ao Átrio, lavradores e mercadores à compra de peixe fresco e saboroso.
De tanto escutar a voz harmoniosa de Ana e de lhe admirar a graça, o rapaz começou a sentir pela rapariga um amor que ia aumentando dia após dia. Confessara já aos amigos e companheiros de lida o agrado desse amor nascente. E estes, contentes com o seu contentamento, sorriam quando o moço barqueiro, ao voltar do Átrio, lhes atirava um brado feliz:
‐ Vi Ana! Vi Ana!
Um dia, porém, não se contentou em vê‐la e dirigiu‐lhe e palavra, num enleio que lhe corava as faces. A rapariga, percebeu o vivo interesse amoroso do rapaz por ela, os olhos brilhantes sobre o rosto, sobre o cabelo dela. O seu coração lisonjeado retribui‐lhe esse interesse, retribuiu‐lhe esse amor. Não tardou em realizar‐se a boda dos dois enamorados. Durante os festejos, os companheiros e amigos do noivo recordaram‐lhe o brado entusiástico:
‐ Vi Ana! Vi Ana!
O dito foi logo adoptado pelos pescadores do Átrio que passaram a repeti‐lo quando, regressavam dos trabalhos duros da faina, se lhes deparava o vulto acolhedor da montanha, as praias doiradas, as veigas férteis, as águas lentas do rio e a paz dos seus lares:
‐ Vi Ana! Vi Ana!
Ao conceder o foral à povoação da foz do Lima, em 1258, o rei D. Afonso III, que a visitara tempos antes, extasiando‐se com tanta beleza e prosperidade, substituiu‐lhe o nome de átrio pelo de Viana. Por certo, alguém lhe revelara aquele brado de amor. E só amor merece terra tão abençoada!
Fonte: VIANA, António Manuel Couto - “Lendas do Vale do Lima”. Ponte de Lima: Valima - Associação de Municípios do Vale do Lima, 2002, p. 53-54. Ilustração de António Vaz Pereira
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